Entenda como funciona a tokenização no mercado imobiliário, conheça um case brasileiro que utiliza essa tecnologia e saiba ao que ficar atento em termos de legislação nessa área
A digitalização do mercado de construção e imobiliário acontece em diferentes níveis – nos processos de construção, na gestão de obras e até na forma de vender os imóveis e se relacionar com os clientes.
É nesse cenário que surge o conceito de tokenização no mercado imobiliário.
De maneira resumida, tokenizar significa fragmentar um ativo físico ou virtual em diversas frações digitais, os chamados Non Fungible Token ou NFT. Na prática, um NFT representa um token criptografado vinculado a um ativo tangível ou intangível, que pode existir tanto no mundo real como no mundo virtual.
No mercado imobiliário, podemos dizer que a tokenização transforma imóveis em ativos digitais. Assim, é possível comercializá-los de forma fragmentada. Ou seja, com os tokens, é possível, por exemplo:
- Comprar parte de um imóvel;
- Adquirir insumos de construção;
- Contratar serviços arquitetônicos e de engenharia;
- E até pagar o aluguel.
Quer entender melhor como isso funciona na prática e conhecer uma iniciativa brasileira nessa área? Siga a leitura e descubra o que foi debatido no painel A tokenização do mercado imobiliário, do Summit Imobiliário Brasil 2022, evento promovido pelo Estadão.
→ As palestras do Summit Imobiliário 2022 estão disponíveis no canal do Estadão no YouTube.
O primeiro empreendimento 100% tokenizado no Brasil
Recentemente, a construtora Sudoeste lançou em Nova Lima (MG) um empreendimento de 148 unidades 100% tokenizado – o primeiro desse tipo no Brasil.
Durante o Summit Imobiliário, Danilo Dias, diretor executivo da construtora, contou que o projeto foi desenvolvido com foco em um público interessado na locação e no investimento imobiliário.
O executivo explicou que o empreendimento usa como base a tecnologia de blockchain, um banco de dados global que permite o compartilhamento de informações sobre ativos de forma transparente e segura.
O blockchain funciona como um livro fiscal distribuído. Na prática, isso significa que todas as transações registradas nele são compartilhadas e distribuídas entre vários computadores e locais, sem um controle centralizado. Assim, cada parte integrante dessa rede tem uma cópia idêntica do registro.
“Desde o registro da incorporação, vamos criando todo o histórico da informação sobre o projeto. Disponibilizamos o token na carteira digital do cliente – tanto para unidades inteiras como fracionadas. Algumas unidades de um quarto estão sendo divididas em até 10 frações. Estamos falando em investimentos a partir de R$ 50 mil”, detalha.
Ele frisa ainda que todo processo segue os mesmos padrões das transações imobiliárias tradicionais (registro de incorporação, promessa de compra e vendas etc.), mas tudo associado ao blockchain.
Danilo também esclareceu que cada um dos tokens registra as transações que ocorrem neles. Isso garante transparência e qualidade de informações. “Estamos preocupados com a qualidade das informações dos tokens. Por isso, utilizamos smart contracts e outras tecnologias para alimentar os tokens com as informações relevantes de forma automática e instantânea”, destaca.
Segundo o executivo, 90 dias após o lançamento, 65% do empreendimento já tinha sido vendido. Ele acredita que a tokenização, aliada ao fato de o projeto ter outros aspectos tecnológicos – como app para pagamento de aluguel, por exemplo –, atraiu um público mais jovem, que busca por esse tipo de inovação.
Leia também: O potencial do blockchain no mercado de construção
O panorama da tokenização no Brasil
Helena Margarido, cofundadora e head de análise de criptomoedas da Monett e advisor da Kodo Assets, participou do debate e explicou de maneira geral como funciona a tokenização de ativos.
“A gente vive em um universo de mais de 20 mil criptoativos, moedas digitais ou tokens – como quiser chamar. Contudo, é importante ressaltar que eles não representam a mesma coisa. Hoje existem pelo menos sete tipos de tokens. Temos, por exemplo, o token emitido por um protocolo de tecnologia, como o bitcoin; o token que representa uma moeda fiduciária, o stable coin; e os tokens que representam ativos que existem no mundo real. Esses ativos podem ser desde um imóvel até um boi, uma safra etc.”, esclarece.
A especialista comentou que uma das vantagens da tokenização no mercado imobiliário é a derrubada de barreiras burocráticas, que muitas vezes impedem ou atrasam inovações. “Existem deficiências muito grandes no mercado imobiliário que poderiam ser mitigadas com a utilização dos tokens. Contudo, para que esse tipo de tecnologia avance, é preciso haver algumas mudanças na questão regulatória”, opina.
Ela cita, por exemplo, a lei dos registros públicos, que não contempla a tokenização. “A utilização de blockchain para realizar registro de propriedades e rastreamento da cadeia sucessória de imóveis poderia ser uma solução inigualável”, comenta.
Ao que ficar atento em termos de legislação quando o assunto é tokenização no mercado imobiliário
Em relação às questões que precisam ser observadas em transações comerciais com tokenização no mercado imobiliário, Juliana Abrusio, sócia da área de tecnologia do escritório Machado Meyer Advogados, ressaltou que, acima de tudo, é importante entender a lógica por trás do blockchain.
“O blockchain propõe um sistema descentralizado. Estamos falando de mudar a centralização nas instituições financeiras, nos cartórios de imóveis, de títulos etc. Essa é a lógica por trás da tecnologia”, aponta.
Ela explica que em relação aos riscos envolvendo as transações feitas por meio de tecnologias digitais, ainda vivemos em uma ‘zona cinza’. Ou seja, ainda não existe uma regulamentação clara em relação a esses processos.
“Quando se trata de tokenização de propriedade imobiliária, temos um problema porque pela lei que nós temos hoje, para representar a propriedade de um imóvel, precisamos fazer isso por meio de um cartório de registro de imóveis. No caso dos tokens, se tem uma representação da propriedade imobiliária. Então, tecnicamente, não há uma vedação legal, porque no lugar de uma estrutura societária, se tem os tokens fazendo esse papel das cotas representativas de direito”, esclarece.
Ela detalha ainda que no caso do timeshare de imóveis, por exemplo, não ter essa vedação legal não representa um problema, afinal, nesse caso, há transmissão de propriedade. Contudo, Juliana alerta que hoje ainda não é possível realizar a transmissão de propriedade totalmente por meio do blockchain.
Nesse sentido, Danilo, da construtora Sudoeste, detalha que o empreendimento 100% tokenizado lançado recentemente está acompanhando as movimentações da legislação em torno da transferência de imóvel por meio do blockchain. Ele acredita que nos próximos anos a regulamentação imobiliária incorpore essa questão.
Por fim, uma recente movimentação nesse sentido, que mostra as adaptações do mercado a essa nova tecnologia, foi o parecer de orientação sobre criptoativos publicado recentemente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O documento é a primeira abordagem do regulador do mercado brasileiro de capitais para regular emissões e negociações de ativos digitais.
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