Diversos conceitos entram em cena quando o assunto é a sustentabilidade na construção civil. Caso, por exemplo, da biomimética. Entenda o que há por trás dessa metodologia, conheça dois projetos construídos com base nela e inspire-se a pensar em construções mais sustentáveis usando a natureza como sua aliada
Estudos da Global Footprint Network – rede que mede o uso e a gestão de recursos naturais ao redor do globo – apontam que já estamos consumindo mais do que a Terra é capaz de oferecer. Segundo a pesquisa, seriam necessários 1,75 planetas Terra para suprir a demanda atual de recursos.
E o mercado de infraestrutura e construção tem um peso enorme nesse cenário. Afinal, de acordo com o relatório The Circularity Gap 2019, nosso setor é responsável por quase 50% do uso de materiais (42,4 bilhões de toneladas) globalmente. Além disso, gera cerca de 20% das emissões de carbono.
Ou seja, só esses dados já são suficientes para ligar um alerta sobre a importância da preocupação com a sustentabilidade na construção civil.
Por isso mesmo, este é um assunto recorrente em nossos textos. Recentemente, por exemplo, falamos sobre a bioarquitetura, que utiliza aspectos da natureza em projetos. Para ler o artigo clique aqui.
Hoje, avançamos o debate e falamos sobre biomimética. Siga a leitura para entender o conceito e conhecer duas obras que são provas de que as respostas para muitos dos desafios que enfrentamos podem estar na natureza.
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O que é biomimética
“Uma nova ciência que estuda os modelos da natureza e, em seguida, imita ou inspira-se a partir desses projetos e processos para resolver problemas humanos.”
É assim que o cientista norte-americano Janine Benyus, autor do livro Biomimética: Inovação inspirada pela natureza, define a técnica que, em 1977, ele ajudou a popularizar, com o lançamento de sua obra.
Na prática, a biomimética é uma técnica que se baseia em entender e replicar soluções apresentadas pela natureza aos mais variados setores industriais. Entre eles, o de construção.
Aliás, aplicada na engenharia, a biomimética é vista como uma metodologia construtiva. Afinal, os projetos são desenvolvidos com base nas análises de estruturas naturais.
Além disso, o principal uso dessa técnica na construção é criar empreendimentos sustentáveis e inteligentes, gastando menos energia proveniente de fontes não-renováveis e gerando menos resíduos e impactos ao ambiente.
Ou seja, o uso da biomimética contribui com a sociedade, a natureza e a proteção e desenvolvimento do planeta como um todo.
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Biomimética aplicada na construção civil
Eastgate Centre (Harare, Zimbábue)
Com o objetivo de garantir que a temperatura interna do shopping se mantivesse estável e agradável ao longo do ano mesmo sem um sistema de ar-condicionado,o arquiteto Mick Pearce, idealizador deste projeto, inspirou-se nos grandes cupinzeiros africanos para realizar a obra.
Acompanhe a história para entender…
- Os cupins alimentam-se de fungos que necessitam de uma temperatura constante de 30°C para sobreviver.
- Porém, os cupinzeiros observados habitavam o deserto africano – ou seja, onde há uma grande flutuação de temperatura, podendo atingir até 40°C nos meses mais quentes do ano.
- Portanto, os cupinzeiros precisam ser protegidos por uma massa térmica de terra e ter muitos canais de ventilação para controlar a temperatura interna. E é exatamente assim que os cupins os “constroem”.
No Eastgate Center (um conjunto que engloba duas edificações separadas por um espaço aberto, com iluminação zenital e aberto à ventilação local) a estrutura é predominantemente de concreto, mas funciona de forma similar ao cupinzeiro.
Ou seja, a ventilação que entra na edificação é resfriada ou aquecida, dependendo do que estiver mais quente – o ar ou o próprio concreto da edificação. Então, essa ventilação é canalizada para os escritórios ou para o próprio shopping center, antes de sair pelo sistema de exaustão natural (similar a uma chaminé).
A aplicação desse projeto de biomimética inspirado nos cupinzeiros africanos fez com que o complexo fosse construído com 10% a menos de valor de investimento em sistemas de climatização que um prédio convencional de sua mesma escala necessita. Aliás, por causa disso, houve ainda uma economia de 40% no custo operacional de energia.
Além disso, a economia de cerca de 3,5 milhões de dólares no empreendimento resultou em aluguéis 20% menores que os das edificações convencionais da região.
Detalhe: essa obra foi projetada em 1992! Bacana, não?
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Votu Hotel (Bahia, Brasil)
Outro projeto que é um exemplo de biomimética aplicada à construção civil é aqui do Brasil. Estamos falando do Votu Hotel, que fica na Bahia. E a equipe de projetistas do escritório GCP Arquitetura e Urbanismo, responsável pelo projeto, não usou a biomimética de apenas uma forma, mas de três!
1) O sistema de troca de calor que acontece no bico do tucano inspirou a criação de uma solução para o problema de superaquecimento dos ambientes.
Na prática, o telhado verde na cobertura permite que, à medida que sobe, o calor seja atraído por uma serpentina de cobre que passa pelo solo do telhado. Então, o ar esfria à sombra de um jardim no terraço e, eventualmente, retorna à estrutura.
Ou seja, dessa forma, além de contribuir para manter a temperatura ambiente, esse sistema também faz com que se evite o uso de climatizadores artificiais.
2) Além disso, também pensando no conforto térmico das suítes, os projetistas do Votu Hotel desenvolveram um sistema de ventilação natural e constante inspirado nas tocas enterradas – mas com entradas e saídas do ar – do roedor cão-de pradaria, encontrado nos Estados Unidos, no Canadá e no México.
O que aconteceu foi o seguinte: a posição dos bangalôs foi otimizada por meio de uma simulação digital e, além disso, uma proteção semi-permeável foi colocada na frente dos ventos dominantes, diminuindo a velocidade e direcionando o ar para os dutos de ventilação. Ah, e as janelas e portas foram posicionadas estrategicamente para aproveitar ao máximo a circulação natural do vento.
3) Já o fechamento dos chalés foi inspirado na capacidade de auto-sombreamento de alguns cactos, que contam com longos espinhos e dobras para mitigar os extremos de calor e a exposição solar.
As dobras profundas oferecem sombra parcial, resfriando o ar no lado sombreado e criando um gradiente que facilita a circulação e minimiza a absorção de calor.
O projeto imita essa estratégia com brises verticais, de madeira e auto-sombreamento.
E você, já pensou em usar a biomimética nas suas obras?
Estes projetos mostram que a natureza é uma grande aliada da sustentabilidade na construção civil.
Ah, e se você conhece outros projetos que utilizam princípios da biomimética e que merecem ser destacados, deixe um comentário e nos ajude a deixar este artigo ainda mais interessante!